quarta-feira, 14 de maio de 2008

O corpo que eles desejam... não é o que elas querem ter.








O corpo que eles desejam... não é o que elas querem ter.

Resumo da Reportagem
Gosto feminino
  • Cabelo curto
  • Bumbum sem estrias
  • Seios siliconados
  • Esmalte escuro
  • Calcinha confortável
  • Camiseta de dormir
  • Roupa de grife
  • Transparência
  • Botas
  • Óculos

Gosto masculino

  • Cabelo comprido
  • Bumbum durinho
  • Seios naturais
  • Esmalte claro
  • Calcinha sexy
  • Camisola de alças
  • Não liga para etiqueta
  • Decotes
  • Sandálias
  • Lente
A independência feminina e a ditadura das passarelas causaram o divórcio estético entre mulheres e homens.

Scheila Carvalho, a dançarina do grupo É o Tchan, encarna quase uma unanimidade entre os homens. É estouro de vendas quando posa nua para publicações masculinas – e um recente implante de silicone foi o mote para um novo ensaio sensual. No site de uma dessas revistas, a Sexy, esta mineira de formas sinuosas está no topo do ranking das mais adoradas pelos internautas – seguida por musas de silhuetas igualmente curvilíneas, como Luma de Oliveira, Joana Prado e a modelo Viviane Araújo, namorada do pagodeiro Belo. Ainda que embalem sonhos e desejos masculinos, suas formas estão muitas polegadas além do ideal perseguido pelas mulheres. Padrão de beleza, para elas, tem outro nome: a magérrima Gisele Bündchen. Entre as belas que apareceram nas capas da revista Marie Claire, da Editora Globo, Gisele é a campeã de cartas de leitoras. Xuxa, Carolina Ferraz, Ana Hickmann e Adriane Galisteu também cativam o público feminino.

Pela fita métrica, no entanto, medidas inconciliáveis separam as musas desejadas pelos homens das beldades invejadas pelas mulheres. O fenômeno salta aos olhos num momento em que até figuras esbeltas insistem em fazer regime. O olhar masculino ainda aprecia formas que as mulheres tratam de conter a qualquer preço. Boa parte das controladoras passou a adotar como termômetro o chamado IMC, ou índice de massa corporal (calcula-se dividindo o peso pela altura elevada ao quadrado). A medicina estabeleceu como ideal um IMC entre 18,5 e 25. As musas masculinas Scheila e Joana, a Feiticeira, estão na faixa dos 22 pontos. Luma tem 19. Já o padrão estético feminino é mais restrito: Ana Hickmann e Carolina Ferraz se equilibram na linha dos 18,5. Adriane Galisteu fica abaixo dos 18. A top model Gisele Bündchen tem inatingíveis 16 pontos. Atribui-se a esse ideal de beleza a eclosão de doenças alimentares como a anorexia e a bulimia.

O divórcio de interesses teve origem nos movimentos de emancipação feminina das décadas de 60 e 70. 'Foi quando as mulheres criaram um espaço para discutir beleza e sexualidade. Revistas femininas surgiram como cartilhas de comportamento', diz a antropóloga Mirian Goldenberg, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Mirian pondera que elas se libertaram de um padrão para cair noutro. 'Há 30 anos, ninguém sabia o que era estria ou celulite. As mulheres, que aprenderam a reconhecer e temer tais problemas, hoje ensinam maridos e namorados que é feio ter essas marcas. Antes, eles simplesmente não haviam se dado conta disso', observa.

As opiniões dos parceiros passaram a ser orgulhosamente ignoradas. Crítica impiedosa da própria silhueta, a advogada paulista Luciana Beretta, de 24 anos, gostaria de ser mais alta e, se pudesse, faria uma lipoaspiração para amenizar suaves culotes. A inquietação não encontra respaldo em Thiago Carrieri, seu namorado há sete anos. 'Gosto do jeito que está. Mas ela é encanada, o que eu posso fazer?', resigna-se. Luciana fez alisamento permanente nos cabelos, para o desespero de Thiago, que idolatrava seus cachinhos. 'Quando eu fazia escova, ele chegava a jogar água na minha cabeça, tentando desfazer o penteado. Não importa. Quero é me sentir bem comigo mesma', sentencia.
Para muitos psicólogos, a raiz desse comportamento é o medo de ser vista como mulher-objeto. 'Hoje elas acham melhor ser magra que desejada', garante Marco Antonio de Tommaso, terapeuta que cuida das modelos das agências Elite e L'Equipe. Até galanteios masculinos chegam a soar impróprios. Com 1,71 metro e 59 quilos, a instrutora de ginástica Claudia Piotto, de 31 anos, sente que está em forma justamente quando não desperta comentários dos amigos de malhação. Mas, quando atinge os 63 quilos, eles não resistem. 'Você está ótima', dizem. 'Ficou gostosona', arriscam os mais animados. É a senha para Claudia entrar em pânico. 'Ponho uma calça cinza, discretíssima, amarro um casaco na cintura para disfarçar e trato de entrar nos trilhos', declara. O descompasso aparece também nos consultórios médicos. 'É comum que os maridos sabotem a dieta, porque entendem que a mulher já está suficientemente magra', conta o endocrinologista carioca Walmir Coutinho. 'Eles chegam em casa com uma caixa de bombons ou convidam a mulher para jantar no restaurante preferido dela.'


Os publicitários foram os primeiros a perceber o fenômeno e há tempos usam corpos diferentes para vender produtos para homens ou mulheres. Modelos esguias e com pouco busto são mais requisitadas para propagandas direcionadas ao público feminino, como as de lingerie. Já os anúncios voltados para o consumidor masculino recorrem a mulheres curvilíneas. Para estrelar a campanha da cerveja Kaiser, os diretores de criação e executivos da agência Elite escolheram a modelo Pietra Ferrari, de 24 anos. Ela é 6 quilos mais encorpada que Sabrina Lemiechek, colega da mesma agência que estampa um anúncio da Valisère, direcionado, obviamente, para o público feminino. 'O perfil que a mulher quer ter está para o tipo sequinho, como o de Sabrina, que tem 1,76 metro e 58 quilos. Pietra, com 1,77 metro e 64 quilos, tem o corpão que os homens gostam', diz a agente Simone Laskani, que seleciona modelos para campanhas. Não se imagine, contudo, que a desejada Pietra está feliz com o que Deus lhe deu. 'Se não tivesse medo, faria uma lipoescultura para afinar essa cintura', confessa. 'Meu ex-namorado, ao saber disso, falou que eu estava louca.'
Padrões de beleza são influenciados pela cultura de cada período histórico. As musas renascentistas eram peculiarmente rechonchudas. A célebre Vênus, pintada pelo italiano Sandro Botticelli, tem cintura bem mais ampla do que aquela que os homens de hoje consideram atraente. Mas o ideal masculino continua preso ao instinto sexual e a preferências que variam de país a país e, às vezes, de uma região a outra. A explicação justifica a escolha de bumbuns volumosos, com reservas de gordura para a gestação, quadris largos, que facilitam o parto, e seios fartos para amamentar. 'Talvez por isso o olhar erótico masculino resista às influências da moda', explica o psicólogo Marco Antonio de Tommaso. 'Os homens têm uma memória táctil. Não adianta mostrar na publicidade uma mulher linda, mas magra demais, porque eles lembram da sensação desagradável de apertar uma cintura feminina e sentir os ossos', diz o publicitário Fábio Fernandes, diretor de criação da agência F/Nazca.


Um dos termômetros da mudança é a evolução das medidas no concurso Miss Brasil. Na década de 50, Marta Rocha foi eleita com 98 centímetros de busto e 100 de quadril. Números impensáveis hoje. A gaúcha Juliana Borges causou furor no ano passado após fazer 19 plásticas para entrar no padrão de 90 centímetros de busto e quadril. O afinamento não é só sinal dos tempos. As primeiras misses eram escolhidas por um júri exclusivamente masculino. Agora, as mulheres são maioria entre os jurados, e isso faz diferença. 'Eles votam nas boazudas, mas não definem a eleição, porque as juradas puxam para as magrinhas', conta Boanerges Gaeta, diretor do concurso.

O padrão que encanta as mulheres provém das passarelas. Até a década de 70, o público feminino se inspirava nas belas do cinema e da televisão. Mas os anos 80 consagraram as medidas ditadas pelos estilistas, com a ascensão das supermodelos, como Cindy Crawford, Linda Evangelista e Claudia Schiffer. Foi nesse momento que o peso indicado pela estética feminina se afastou do recomendado pelos médicos. 'Antes, modelos não eram celebridades e não causavam tanta inveja nas mulheres', diz o diretor de filmes publicitários Clovis Mello, da produtora Cine. Nos últimos 20 anos, gerações de adolescentes cresceram querendo ter o corpo das esbeltas que viam desfilando. 'Doenças como anorexia e bulimia só viraram um problema grave a partir da década de 80', afirma a psicóloga Maly Delitti, da PUC-SP. 'Seguindo os padrões das passarelas, cada vez mais meninas terão transtornos alimentares.' Estima-se que uma em quatro modelos tenha comportamento precursor da bulimia, com uso de laxantes e jejuns.
As vitrines exibem roupas com modelagem diminuta, a ponto de desnortear mulheres bonitas, com formas um pouco mais salientes. No início do ano, a loira Sheila Mello, outra dançarina do É o Tchan, tentou comprar uma calça de uma loja de grife em São Paulo. Sheila, que costuma usar manequim 40, ficou chocada quando só conseguiu entrar num modelo 46. 'Não tinha espaço para meu bumbum. Muitas marcas deixaram de seguir os moldes do corpo da brasileira', queixa-se. A mitológica Luma de Oliveira faz coro. 'Nos últimos quatro anos, só compro roupas italianas ou mando fazer sob medida', conta a dona do corpo escultural. 'Não sei o que está acontecendo na cabeça dos estilistas. Parece que a modelagem ficou mais reta. É tudo com cintura baixa e pouco bumbum. Se não for muito esguia e alta, não fica bem', lamenta. Ciente de seu prestígio entre os homens, Luma não fica triste quando engorda um pouquinho. 'Toda mulher diz que quer emagrecer. Mas elas não sabem que os homens nem reparam se você ganha 2 quilos ou não', ensina a experiente (e anualmente aguardada) rainha da bateria da Unidos da Viradouro. 'Seria um grande alívio se elas descobrissem que são consideradas bonitas e gostosas do jeito que estão.'